sábado, 29 de maio de 2010

ÁFRICA NA ÉPOCA DO BOEING 707



por: comissária Petra
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Ao lado do meu prédio, na frente do famoso Bracarense , resistia bravamente uma das últimas casas do Leblon de antigamente . Deve ter sido construída lá pelos anos 40/50, como moro no mesmo lugar há 28 anos, acompanhei estes anos todos a vida da família que morava nesta casa. Semana passada saiu no jornal que uma das últimas casas do Leblon tinha sido vendida e que alí subiria um prédio moderno de cinco pavimentos, com direito á foto e tudo. Era ela, a casa vizinha do meu prédio.
Ao passar pela casa agora pela manhã, já começaram os primeiros sinais de demolição. Os donos, pessoas idosas haviam se mudado Dalí há duas semanas atrás. Tem algo mais desolador do que uma casa abandonada, prestes a ir abaixo ? Fiquei imaginando quanta vida foi vivida naquela casa, alegrias, tristezas, nascimentos, mortes, crianças, idosos, casamentos, separações …
Mas o que me fez retornar a este post , foram as minhas primeiras lembranças da África do Sul .
Quando comecei a voar, a nossa aviação na Varig (para comissários) era dividida entre , Nacional (sómente vôos nacionais) , Mini – RAI (mini – rede aérea internacional) uma espécie de preparação para mais tarde ´passar definitivamente para a RAI , (rede aérea Internacional) sonho e desejo de todos , é claro …
Bem , a mini RAI constava de vôos não tão queridos e disputados como eram New York , Paris , Frankfurt , Roma , ou seja , o chamado circuito Helena Rubinstein da época feitos pelos moderníssimos DC 10 , mas sim de , Buenos Aires , México , Lagos , Luanda, e Johanesburgo , sendo que estes vôos eram feitos somente de B-707 .
O vôo de Lagos era feito bate e volta (chega , descarrega carga e passageiros e volta de imediato) , sendo que metade da cabine era carga (carne !!!) e a outra metade passageiros …
Este vôo era feito á pedido do governo brasileiro da época , algum tipo de acordo comercial que ele tinha assinado com o governo de Angola .Era um vôo totalmente deficitário para a Varig , como era comentado à época .
O Johanesburgo era um vôo muito cansativo , decolávamos pela manhã do Rio , pousávamos em Capetown e seguíamos para Johanesburgo onde descansávamos por 11 horas como determinava a regulamentação . Sendo que a época era no meio do mais terrível Apartheid, segregação pura. A nossa escala de vôo tinha determinação de não escalar tripulantes negros para este vôo, pois eles eram proibidos de entrar no país, ou seja, eram proibidos de irem para o hotel para descansar, dormiam (!) no avião !!!!
Num destes vôos, um flight engeneer chamado Gabriel (negro) foi chamado para cobrir a falta de um colega e realmente ele foi proibido de ir para o hotel conosco.
No meu primeiro vôo, ao chegar ao hotel e subir no elevador para meu andar com um senhor branco, que era acompanhado pelo rapaz que levava suas malas (obviamente negro), ao chegarem na porta do quarto ele fez questão de jogar as moedas da gorjeta no chão para que ele as catasse ajoelhado na frente dele. Assim eram as coisas naquele tempo .
Por muito tempo fiquei chocada com estas atitudes e tive grande aversão ao país .
Passado o tempo , com muita alegria acompanhei o show que foi realizado no antigo estádio de Wembley , pedindo a libertação de Mandela , o famoso Free Mandela !!!!
Fiquei contente de poder acompanhar nos anos subsequentes o fim do Apartheid, os julgamentos, o perdão de ambas as partes, até chegarmos aos dias de hoje. Espero que tudo corra bem durante a copa, aquele povo sofrido merece um pouco de respeito e motivo de orgulho.
Mas, mesmo com esta história conturbada e triste, no passado, sempre vale uma visita á África do Sul.

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