sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O anjo do voo JJ-3054-TAM


Charge de Gerson Kauer

Para muitos, esta história relativa ao acidente do voo JJ-3054 da Tam é inacreditável. Seria apenas uma lenda urbana tida como verdadeira, mas, de fato, criada pelo imaginário popular em situações de dramaticidade e consternação coletiva. Arautos garantem, porém, que o fato foi real, e envolveu, de forma indireta, uma moradora do bairro Moinhos de Vento em Porto Alegre no maior acidente áereo da história do Brasil.. O relato não veio a público pela voz dos envolvidos, mas contado no livro "Moinhos de Vento: Histórias de um bairro de Porto Alegre", de Carlos Augusto Bissón (*)
Na tarde de 17 de julho de 2007, um empresário, 40 de idade, almoça com a mulher e os filhos, algumas horas antes da decolagem do voo JJ -3054. No meio da tarde a esposa deixa o marido no aeroporto Salgado Filho. Mas ele tinha a intenção de ir para São Paulo só no dia seguinte. Por isso, comprara outra passagem para a manhã do dia 18. Detalhe sutil: o empresário tinha uma namorada, profissional liberal bem-sucedida, 30 de idade, moradora no Moinhos de Vento. E foi para a casa dela que ele se dirigiu, de táxi, logo após ter sido deixado no aeroporto pela esposa. Assim, apesar da tarde hibernal, chegou ao Moinhos ainda com dia claro. Beijos e abraços iniciais, os amantes conversaram, degustaram queijos e vinhos etc. A noite seria prazerosamente longa. Como a tevê, o rádio e, evidentemente, os celulares estavam desligados, o único som ambiente era proporcionado pela sucessão de músicas no aparelho de CDs. Enquanto isso, o Brasil recebia a notícia chocante: ao aterrisar em Congonhas, às 18h51min, o Airbus A-320 da Tam atravessara a pista molhada - e todos sabem qual foi o desfecho. Alheios, em seu “ninho de amor” no Moinhos, o empresário e a namorada acordaram cedo e tomaram o café da manhã no dia 18. Não leram jornais, não escutaram rádio e nem ligaram a tevê. Ele pegou o avião para São Paulo às 9h30min. Sentiu uma certa consternação no aeroporto, mas não se flagrou. A moça o levou para o aeroporto – mais um vez, ouvindo apenas música produzida pelos CDs. Esse estado de alienação do mundo não é surpreendente: os únicos grupos que jamais deixam de acompanhar as notícias via rádio, tevê e jornal são os profissionais da comunicação, os intelectuais e os assessores políticos. A maioria das pessoas, porém, vive encapsulada em seu mundo de interesses particulares, vez por outra dado uma espiada nos assuntos públicos. Após se despedir da moça, o empresário reassumiu o papel de marido atencioso. Fez o que prometera à sua mulher no dia anterior: ligar “de São Paulo” na terça-feira pela manhã. Do outro lado da linha, ela estava aos prantos. Quando se refez da emoção, a mulher perguntou se o marido trocara de voo. Foi, então, que ele deu a resposta serena, mas enfática, que o incriminou de forma inapelável: “Não. O voo foi tranquilo. Cheguei, jantei e dormi bem”. Mais lágrimas do outro lado da linha. Em seguida, o empresário ficou sabendo de todo o sofrimento vivido por sua família na noite anterior, diante da certeza de sua morte. A mulher acabou pedindo separação do marido. Há quem tivesse encarado com bom humor o desfecho, sugerindo ao empresário que apresentasse a namorada como o “anjo do voo JJ-3054”, que o livrou da morte. Durante uma semana, o homem foi impedido pela mulher, com o apoio dos filhos, de entrar em casa para pegar suas roupas. Posteriormente, ele foi morar num flat. Quando resolveu cair nos braços do seu “anjo” do Moinhos ao invés de, como estava programado, ir para os céus de São Paulo, o empresário acabou fazendo de sua vida um inferno... Conta-se que pouco mais de seis meses depois, o empresário e sua esposa separaram-se consensualmente numa das Varas de Família do Foro de Porto Alegre. .................................

(*) O autor do livro autorizou o Espaço Vital à reprodução, reduzida, do instigante relato. A íntegra - além de outras interessantes histórias - pode ser lida em "Moinhos de Vento - Histórias de um bairro de Porto Alegre" - Editora da Cidade.
Colaboração Silvio Wu

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